RESPONSABILIDADE CIVIL DAS EMPRESAS DE TRANPORTE AÉREO

O transporte aéreo configura uma típica relação de consumo, sendo aplicáveis aos conflitos dele decorrentes as normas do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), além das disposições específicas da Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC. Nesse contexto, as companhias aéreas assumem obrigações contratuais e legais cujo descumprimento pode ensejar a responsabilidade civil, especialmente nos casos de atrasos e cancelamentos de voos.

Nos termos do artigo 14 do CDC, a responsabilidade do fornecedor de serviços é objetiva, ou seja, independe de culpa. Basta a demonstração da falha na prestação do serviço e o nexo de causalidade com o dano sofrido pelo consumidor para que surja o dever de indenizar. Assim, ainda que o transportador alegue caso fortuito ou força maior – como condições meteorológicas adversas –, essa excludente de responsabilidade não pode ser admitida de forma automática, devendo ser comprovada de maneira inequívoca, e, mais importante, não deve afastar o dever de assistência material e informacional ao passageiro.

De acordo com a Resolução nº 400/2016 da ANAC, em situações de atraso ou cancelamento de voo, a companhia aérea tem o dever de informar imediatamente os passageiros, e deve oferecer alternativas como reacomodação, reembolso ou execução do serviço por outra modalidade de transporte, cabendo ao consumidor a escolha. Além disso, a assistência material, como fornecimento de alimentação, hospedagem e transporte terrestre, deve ser garantida de forma adequada, proporcional ao tempo de espera e às necessidades do passageiro.

Quando a companhia aérea falha em comunicar de maneira eficiente o cancelamento do voo, posterga a adoção de providências razoáveis para reacomodar os passageiros ou presta assistência de forma insuficiente, resta caracterizada a má prestação do serviço. Situações em que passageiros são submetidos a longas esperas sem alimentação adequada, transporte tardio e ausência de alternativas compatíveis com a urgência da viagem demonstram clara afronta aos direitos do consumidor e à própria regulamentação do setor aéreo.

Do ponto de vista da responsabilidade civil, tais falhas ensejam não apenas a reparação de danos materiais, desde que comprovados, mas também a indenização por danos morais, especialmente quando o passageiro é submetido a constrangimentos, desgaste emocional, prejuízo à saúde ou violação da dignidade em virtude da conduta omissiva ou negligente da transportadora.

A jurisprudência e a doutrina convergem ao reconhecer que o dano moral, nesses casos, não se confunde com meros aborrecimentos do cotidiano. A partir do momento em que a falha da companhia aérea gera angústia excessiva, sofrimento físico ou psíquico, perda de compromissos relevantes ou risco à integridade do passageiro, o dever de indenizar se torna evidente. Ainda que o motivo inicial do cancelamento seja legítimo, como eventos climáticos, a omissão no cumprimento dos deveres acessórios do contrato – como a prestação de informações claras e assistência adequada – é suficiente para configurar a responsabilidade civil.

Em casos concretos em que passageiros idosos ou em tratamento médico são deixados à própria sorte em aeroportos por horas, enfrentam deslocamentos longos sem suporte adequado e têm sua saúde agravada, o dano extrapatrimonial é amplificado. Nessas situações, a reparação deve considerar a extensão do prejuízo, o porte econômico da empresa, a função pedagógica da indenização e os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Conclui-se, portanto, que a responsabilidade civil das companhias aéreas por cancelamento de voos não se limita à análise do motivo do cancelamento, mas engloba toda a cadeia de prestação do serviço. O descumprimento das normas de proteção ao consumidor e da regulamentação da ANAC, especialmente no tocante à informação e à assistência devida, configura falha na prestação do serviço e impõe à empresa o dever de reparar os danos causados, materiais e morais, ainda que ausente culpa subjetiva.

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